Esse texto já foi escrito mentalmente algumas tantas vezes, sabe?
Não havia tempo para terminar. Eu estava reclamona demais (e ainda continuo, viu?). O tema do trabalho, do suor e das lágrimas continuam aqui. E vão continuar. Neste momento estou com certo sono, coisas e mais coisas para fazer. Mas, como sempre acontece, eu preciso escrever pra continuar a viver.
Quando pensei em falar sobre “trabalho, suor e lágrimas” eu ainda fazia alguma atividade física. Sabe, foi esse o meu combinado comigo como “resolução de ano novo”. Não me deixar de lado para dar conta das demandas de trabalho nas quais eu me meto, sempre, mesmo que de modos diferentes.
A newsletter era pra ser o que mesmo? Ah! Lembrei! Era pra seguir um estilo editorial e não sei que lá mais! Talvez, ganhar até dinheiro com isso (valeu Irís pelo pix e pelo incentivo. Espero que Minas te cuide bem, apesar da gritaria da igreja que você tem na vizinhança). Enfim, vai ser o que eu der conta que seja! (parece que o obvio precisa ser dito mesmo).
TRABALHO
Desses quase 30 anos, por alguma razão, encasquetei que quando entrasse na faculdade teria que me virar. Além de estudar, trabalharia. Tive o privilégio de exercer o meu direito de acesso à Educação em uma Universidade Federal e isso significa dizer que entre 2011 a 2016 algumas bolsas para subsidiar o ensino, pesquisa, extensão e moradia rolava por lá. (Vocês deveriam saber pelo menos um bocado do desmonte que se vive, novamente, as Universidades Federais e Estaduais). E assim, mesmo estudando de forma integral, também participava de grupos de pesquisa e extensão que pagavam 400 reais/mês.
Foi também na UFMT que eu tive pela primeira vez minha carteira assinada. O meu primeiro emprego como docente também. Já disse que sou cara de pau? Porque eu sempre tive o movimento de ir aceitando, e fazendo, e vivendo e depois lidar com o que passou. E embora até hoje eu perceba que só trabalhei com coisas que eu realmente amei fazer e amo, é de fato um privilégio de poucos.
Mas, somos levadas a crer que se eu trabalhar com o que amo, nunca precisarei trabalhar na vida e, convenhamos, já não acreditamos mais nisso, né? (Me diz que não, por favor). Ao não acreditar mais nisso, perder a inocência diante do mundo do trabalho, do sistema político, social e econômico, percebo que o que resta é cansaço, frustração, suor e lágrimas.
Hoje eu sou docente em uma faculdade privada de ensino e, basicamente, digo que eu cuspo um pouco no prato que como. Por outro lado, prefiro acreditar que vivo um processo de sair do campo da fantasia do que é ser professora, no sistema de ensino no qual estou inserida e lidar com a decadente realidade. Tenho os direitos trabalhistas garantidos e isso realmente é muito bom. É bom poder usufruir de direitos enquanto eles existem. A questão é que eu não trabalho somente as 11h semanais previstas para preparo da aula. Quanto tempo eu trabalho mesmo?
Sim, eu brinco de ser psicóloga e psicanalista em formação. Eu devo retornar em algum momento só para falar desse processo formativo em psicanálise, permanente e paradoxal. Mas, é isso: acrescenta-se na conta mais 16h semanais só de atendimentos. Chegamos até agora em 27h semanais.
E então tem o mestrado, grupo de estudos, projeto escuta por um fio, tutora de pet, filha, amiga. Quantas horas precisa pra dar conta de tudo isso? Eu realmente dou conta de tudo isso? Como? Eu estou exausta e você também que eu sei. Isso daqui não é glamourizar o excesso de trabalho e achar cool e aparecer aqui daqui uns dias dizendo que “o bournout me pegou, tentei escapar não consegui”. Isso daqui é escrever sobre minhas caraminholas - que podem ser as suas também - e ver se com isso eu posso criar saídas outras para várias queixas. Opa! Parece que há aí sabe o que? Isso mesmo, mais trabalho, lá no divã e não só. Seguimos!
SUOR
Trabalhar, cansa. Sim, faz suar muitas vezes. Mas não substitui em nada os momentos de andar de manhã com a Frida e sentir o corpo ir aquecendo lentamente até surgir a primeira gota de suor. Em janeiro e parte de fevereiro eu achei que daria para eu seguir o ritmo da atividade física. Mas não deu, mais uma vez. E seu eu rolo o feed do instagram, entendo que só não rola porque não quero. Eu sei, eu sei, deveria fazer um limpa por lá. E fiz. Mas veja bem, vocês não acham que está entranhado na gente isso de achar que só não fazemos um coisa porque não queremos e que tudo depende só da gente? Eu estou tentando me limpar desse discurso. Lembrar que eu aposto na via inconsciente e que essas minhas idas e vindas, como uma onda no mar, devem dar em algum lugar. Concluí que elas retornam a mim, de outro modo, com outra roupagem, por outros percursos. Há de chegar o dia que eu tenha condições de sustentar, não só financeiramente (alou insegurança alimentar e Brasil no mapa da fome), alimentação mais interessante. Acrescentar coisas e não retirar coisas das minhas refeições (um abracinho iohana e rayane <3). Conseguir fazer natação e musculação porque esses tornozelos com torção de repetição não irão se refazer sozinhos, não é mesmo? E eu vou entendendo esse corpo-casa que me sustente até que possa chamar mais de lar. Ele é grande, sintomático e meu. E com ele só estou conseguindo ser o possível e isso, por si só, há de ser suficiente.
LÁGRIMAS
De julho a setembro de 2020 vivi o que foi a experiência mais inominável da minha vida até aqui: a covid levou meu namorado. complicações de saúde levou meu padrinho. o golpe final foi a covid levando meu pai. E já aqui, desaguo novamente.
Esse primeiro trimestre eu me senti mais próxima da minha dor, concomitante a angústia de entender como eu daria conta do meu ano com três frentes de trabalho que exigem tanto de mim. Eu me senti mais próxima da minha dor porquê não tinha mais pra onde correr. E porque eu me senti só e o que restava era me haver com a minha dor.
“Quem me conhece, sabe” que não é muito difícil que eu chore. E confesso que eu gostava bem mais quando minhas lágrimas vinham sem pedir licença com alguma risada gostosa que eu dava por bons minutos juntos aos meus. Mas não é mais assim. Choro indo pro trabalho, choro voltando dele, choro entre um paciente e outro, choro enquanto escrevo. Porque embora a companhia da minha dor seja menos intensa, parece que daquilo que consigo nomear do meu luto é a experiência de quase todo dia bater o dedinho na quina da de algum móvel e ter que me haver com essa dor que dilacera. Ao invés de soltar um “puta que pariu, que dor”, eu choro.
Choro porque eu amo. Choro porque eu estou reinventando uma vida sem quem eu amo. Choro porque minhas responsabilidades mudaram e eu me cobro 7192738 vezes mais. Choro porque nos meus momentos de angústias eu interrogo como seria se eles tivessem aqui. Choro porque há uma parte minha que nunca mais será a mesma. Choro porque preciso, enxugo as lágrimas porque ouso experimentar cada gotinha que escorre.
E porque eu não tenho vergonha de expor a dor. E porque eu não acredito que “luto” entrou para os manuais diagnósticos. (clique aqui pra ver [ou não]). Será que a indústria farmacêutica vai me dar um remédio? E porque eu sei que esse processo me constitui embora seja o trabalho de uma vida, talvez, elaborar tudo isso. E porque eu sei que se algum analisando meu ler isso aqui, pode aparecer na análise deles como tantas vezes e poderemos tratar sobre isso. Porque a minha escuta também é possível porque arduamente trabalho sobre isso em análise. Porque a minha escuta já foi tamponada pela minha dor e isso teve efeitos um tanto nefastos. Porque antes de ser analista, psicóloga, professora, mestranda, eu sou Vanessa. E é esse o meu jeitinho de ser no mundo: com trabalho, suor e lágrimas! (e risada que fecha os olhinhos também, é meu charme!!)
ACABOU!
Caramba! Você leu até aqui? Então, obrigada.
Obrigada a todas as queridas e os queridos que me leram da última vez, comentaram e apoiam essas minhas investidas.
Eu só escrevi sem revisar, tá bem? É porque eu preciso enxugar as lágrimas e pensar se eu trabalho mais um pouco ou durmo!
Um beijo. Um abraço. Boa semana! E até o dia possível!
Vanessa, não posso deixar de comentar aqui o quanto seu texto me tocou, que escrita honesta e bonita que você tem, obrigada por dividir isso aqui.
Sinto muito por suas perdas, muitíssimo. Que coisa atravessante que é viver.
Espero continuar podendo ler sobre sua trajetória e sentires.
Um abraço apertado.